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II
Em seu crescimento até o devir cósmico, as imagens são
certamente unidades de devaneio. Mas são tão numerosas, essas
unidades de devaneio, que se tornam efêmeras. Uma unidade
3. Arp, Le siège de l'air. ed. Alain Gheerbrant, 1946, p. 75.
4. Jean Cayrol, Le miroir de Ia rédemption du monde. p. 25.
5. Id., ibid.. p. 45.
DE VANEIO E COSMOS 169
mais estável aparece quando um sonhador sonha a matéria,
quando, nos seus sonhos, vai "ao fundo das coisas". Tudo se
torna a um tempo grande e estável quando o devaneio une cosmos
e substância. No decurso de intermináveis pesquisas sobre a ima-
ginação dos "quatro elementos", sobre as matérias que o homem
sempre imaginou para sustentar a unidade do mundo, meditamos
freqüentemente sobre a ação das imagens tradicionalmente cós-
micas. Essas imagens, a princípio tomadas bem perto do homem,
crescem por si mesmas até atingir o nível de universo. Sonha-se
diante do fogo, e a imaginação descobre que o fogo é o motor
de um mundo. Sonha-se diante de uma fonte, e a imaginação
descobre que a água é o sangue da terra, que a terra tem uma
profundidade viva. Temos sob os dedos uma pasta doce e perfu-
mada, e nos pomos a malaxar a substância do mundo.
Ao regressar de tais devaneios, quase não ousamos dizer que
sonhamos tão grande. Como diz o poeta, o homem, "não podendo
mais sonhar, pensou"6. E o sonhador do mundo se põe a pensar
o mundo mediante pensamentos alheios. Se, ainda assim, quere-
mos falar desses sonhos que voltam sem cessar, vivos e ativos,
refugiamo-nos na história, numa história remota, numa longín-
qua história, na história dos cosmos esquecidos. Os filósofos da
Antigüidade não nos deram testemunhos precisos dos mundos
substancializados por uma matéria cósmica? Eram os sonhos de
grandes pensadores. Sempre me admira que os historiadores da filo-
sofia pensem essas grandes imagens cósmicas sem nunca sonhá-las,
sem nunca lhes restituir o privilégio de devaneio. Sonhar os deva-
neios e pensar os pensamentos, eis, não há dúvida, duas disci-
plinas difíceis de equilibrar. Acredito cada vez mais, ao termo
de uma cultura atropelada, que temos aqui as disciplinas de duas
vidas diferentes. Parece-me então melhor separá-las e romper
assim com a opinião comum que acredita que o devaneio conduz
ao pensamento. As cosmogonias antigas não organizam pensa-
mentos, são audácias de devaneios, e para devolver-lhes a vida
é necessário reaprender a sonhar. Há em nossos dias arqueólogos
que compreendem o onirismo dos primeiros mitos. Quando
Charles Kerényi escreve: "A água é o mais mitológico dos ele-
6. Ernest La Jeunesse. Vimüaüon de notre maitre Sapoléon, Paris, 1897. p. 51.
170 A POÉTICA DO DEVANEIO
mentos", ele pressente que a água é o elemento do onirismo suave.
É por exceção que da água saem divindades malfazejas. Mas
no presente ensaio não utilizamos os documentos mitológicos,
consideramos apenas os devaneios que podemos reviver.
Pela cosmicidade dé uma imagem recebemos, portanto, uma
experiência do mundo. O devaneio cósmico nos faz habitar um
mundo; dá ao sonhador a impressão de um em casa num universo
imaginado. O mundo imaginado dá-nos um em casa em expansão,
o inverso do em casa do quarto. Victor Ségalen, o poeta da viagem,
dizia que o quarto é "a finalidade do regresso'". Ao sonhar o
universo, estamos sempre partindo, habitamos algures num al-
gures sempre confortável. Para bem designar um mundo sonhado,
é preciso marcá-lo por uma felicidade.
Portanto, reencontramos sempre a nossa tese, que devemos
afirmar no grande como no pequeno: o devaneio é uma consciên-
cia de bem-estar. Numa imagem cósmica, assim como numa ima-
gem da nossa casa, estamos no bem-estar de um repouso. A ima-
gem cósmica nos dá um repouso concreto, especificado; esse re-
pouso corresponde a uma necessidade, a um apetite. A fórmula
geral do filósofo o mundo é minha representação deve
ser substituída por: o mundo é meu apetite. Morder no mundo
sem outra "preocupação" além da alegria de morder, não é
isso entrar no mundo? Como se agarra o mundo com uma
mordida! O mundo é então o complemento direto do verbo
eu como. E é assim que, para Jean Wahl, o cordeiro é o comple-
mento direto do lobo. O filósofo do ser escreve assim, comen-
tando a obra de Willian Blake: "O cordeiro e o tigre são um
mesmo ser."8 Carne macia, dentes fortes, que harmonia, que
unidade do ser total!
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